Páginas

sexta-feira, 22 de março de 2013

Joaquim Barbosa e o direito de defesa



Evito dirigir em meus artigos opiniões e comentários a pessoas específicas. A fulanização do 


debate público só serve à argumentação “ad hominem”, à falácia do ataque pessoal para 


desqualificar o interlocutor em vez de contra-argumentar.

O uso da desqualificação pessoal é absolutamente indesejado em qualquer debate sério. Os

 articulistas que usam costumeiramente desse recurso se caracterizam mais pelo

 radicalismo ideológico e pelo desejo de obter audiência do que pela seriedade de postura e

 argumentação.
Meu artigo de hoje, contudo, trata da fala de uma autoridade, o presidente do Supremo 

Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, sem, contudo, querer de alguma forma desqualificá-lo – 

até porque suas qualidades são evidentes: é um ministro honesto, probo, progressista e 

interessado verdadeiramente na defesa dos interesses da população mais desfavorecida.

Obteve notoriedade, a meu ver, por um de seus menos felizes momentos na Corte, o 

julgamento do “mensalão”, mas este não é o tema de hoje.

O ministro declarou, e a mídia em geral reproduziu com destaque, que a relação promíscua 

entre advogados e juízes é a causa maior das piores mazelas de nosso Judiciário, razão 

pela qual defende que o Juiz só deve atender o advogado quando na presença da outra 

parte.

Barbosa mostra claramente que ainda guarda visões equivocadas de seu tempo como 

integrante no Ministério Público.

Quando a relação entre juiz e advogado, ou mesmo do juiz com a parte, implica corrupção 

não há o que se discutir. Trata-se de crime gravíssimo, em especial quando praticado por 

agentes que deveriam cuidar de nossos sistema de Justiça. O mesmo se diga de tráfico de 

influência, também nefasto e criminoso.
A origem da preocupação de Barbosa não é desprovida de fundamento. No processo 

brasileiro o advogado da parte pobre e mais fraca tem muito menos condições de realizar 

plenamente a defesa dos direitos da parte que o advogado de um cidadão mais favorecido 

social e economicamente.

Ocorre que o método oferecido pelo ministro como forma de solução é tão nefasto quanto o 

problema corretamente identificado, qual seja suprimir o direito dado por lei ao advogado 

de se dirigir livremente a pessoa do juiz no gabinete ou sala de audiências. Não é tolhendo 

o direito fundamental à defesa e as prerrogativas profissionais dos advogados que o 

ministro resolverá o problema da desigualação por razão social no processo.
Para curar a doença, mata-se o doente. Para aperfeiçoar os procedimentos de defesa, 

suprime-se o direito de defesa.

O problema, em verdade, é mais complexo do que o apresentado. A desigualdade de armas 

no processo brasileiro não ocorre apenas entre partes pobres e partes ricas. Ocorre com 

muito mais frequência entre a parte Estado e a parte privada. Quando o Estado é parte que 

goza de prazos mais dilatados, com até quatro vezes mais tempo que o da parte privada 

para se defender e recorrer.


Quando o Ministério Público é parte o problema se agrava.
Os membros do Ministério Público têm relação de proximidade, esta sim, indevida com os 

membros do Judiciário. É comum nos fóruns haver o “lanche da tarde” tomado em comum 

pelos juízes e membros do MP.

Os membros do MP têm entrada livre na sala de qualquer juiz; não há pejo em manterem 

uma relação abertamente diferente da mantida com os advogados das partes. Num 

processo crime, por exemplo, essa distorção é terrível, em geral propiciando ofensas aos 

direitos fundamentais do réu e às prerrogativas profissionais da defesa.

Promotores só iniciam seu prazo de recurso quando tomam ciência formal das decisões em 

seu próprio gabinete. O processo tem de se deslocar até eles, ao contrario dos advogados 

que tem o prazo correndo a partir da publicação da decisão.

O MP tem vantagens mais que incisivas nos prazos de fato para recursos, no acesso 

cotidiano ao julgador da causa e na própria posição que ocupa fisicamente na Corte na hora 

do julgamento. No julgamento do “mensalão” a sociedade pôde observar que o procurador-

geral da República, que era apenas uma parte a ser tratada em igualdade de condições 

com os réus e seus advogados, permaneceu sentado ao lado dos ministros, hábito antigo e 

nefasto de nossa Jurisdição.

O acesso a informações das investigações torna o membro do MP fonte privilegiada de 

notícias para a imprensa, em “on” ou “off”. Surge aí uma relação promíscua a influir 

imediatamente no resultado dos processos penais. A mídia hoje é quem condena, mais que 

os Juizes.

O único instrumento que sobra ao advogado para se contrapor a este terrível poder do MP-

Estado parte é o do direito de pedir e argumentar livremente e diretamente ao juiz.

Confundir esse direito com corrupção não é minimamente cabível num debate efetivamente 

ético.

Juiz que se corrompe não o faz no Fórum de portas abertas, lugares mais discretos e mais 

propícios ao crime certamente são os utilizados.

Propor que os advogados só sejam recebidos com a presença da outra parte é submeter o 

exercício pleno da defesa ao desejo do Ministério Público que acusa. Só quando o membro 

do MP tiver vontade e disponibilidade de agenda o advogado poderá ter contato com o juiz 

da causa, enquanto este mesmo membro do MP lancha com este mesmo juiz todo dia.

A amizade pessoal entre juízes e membros do MP e da advocacia não implica 

desonestidades. Manter o juiz afastado da vida social fortalece uma das maiores formas de 

submissão dos interesses públicos aos privados em nosso país, o corporativismo.

O ministro não agiu com seu costumeiro acerto quando fez essas declarações. A nosso ver 

deveria rever seu ponto vista. Suas preocupações são legítimas, mas o remédio proposto 

agrava o problema ao invés de solucioná-lo.



samyartstechnology.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário