Evito dirigir em meus artigos opiniões e comentários a pessoas específicas. A fulanização do
debate público só serve à argumentação “ad hominem”, à falácia do ataque pessoal para
desqualificar o interlocutor em vez de contra-argumentar.
O uso da desqualificação pessoal é absolutamente indesejado em qualquer debate sério. Os
articulistas que usam costumeiramente desse recurso se caracterizam mais pelo
radicalismo ideológico e pelo desejo de obter audiência do que pela seriedade de postura e
argumentação.
Meu artigo de hoje, contudo, trata da fala de uma autoridade, o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, sem, contudo, querer de alguma forma desqualificá-lo –
até porque suas qualidades são evidentes: é um ministro honesto, probo, progressista e
interessado verdadeiramente na defesa dos interesses da população mais desfavorecida.
Obteve notoriedade, a meu ver, por um de seus menos felizes momentos na Corte, o
julgamento do “mensalão”, mas este não é o tema de hoje.
O ministro declarou, e a mídia em geral reproduziu com destaque, que a relação promíscua
entre advogados e juízes é a causa maior das piores mazelas de nosso Judiciário, razão
pela qual defende que o Juiz só deve atender o advogado quando na presença da outra
parte.
Barbosa mostra claramente que ainda guarda visões equivocadas de seu tempo como
integrante no Ministério Público.
Quando a relação entre juiz e advogado, ou mesmo do juiz com a parte, implica corrupção
não há o que se discutir. Trata-se de crime gravíssimo, em especial quando praticado por
agentes que deveriam cuidar de nossos sistema de Justiça. O mesmo se diga de tráfico de
influência, também nefasto e criminoso.
A origem da preocupação de Barbosa não é desprovida de fundamento. No processo
brasileiro o advogado da parte pobre e mais fraca tem muito menos condições de realizar
plenamente a defesa dos direitos da parte que o advogado de um cidadão mais favorecido
social e economicamente.
Ocorre que o método oferecido pelo ministro como forma de solução é tão nefasto quanto o
problema corretamente identificado, qual seja suprimir o direito dado por lei ao advogado
de se dirigir livremente a pessoa do juiz no gabinete ou sala de audiências. Não é tolhendo
o direito fundamental à defesa e as prerrogativas profissionais dos advogados que o
ministro resolverá o problema da desigualação por razão social no processo.
Para curar a doença, mata-se o doente. Para aperfeiçoar os procedimentos de defesa,
suprime-se o direito de defesa.
O problema, em verdade, é mais complexo do que o apresentado. A desigualdade de armas
no processo brasileiro não ocorre apenas entre partes pobres e partes ricas. Ocorre com
muito mais frequência entre a parte Estado e a parte privada. Quando o Estado é parte que
goza de prazos mais dilatados, com até quatro vezes mais tempo que o da parte privada
para se defender e recorrer.
Quando o Ministério Público é parte o problema se agrava.
Os membros do Ministério Público têm relação de proximidade, esta sim, indevida com os
membros do Judiciário. É comum nos fóruns haver o “lanche da tarde” tomado em comum
pelos juízes e membros do MP.
Os membros do MP têm entrada livre na sala de qualquer juiz; não há pejo em manterem
uma relação abertamente diferente da mantida com os advogados das partes. Num
processo crime, por exemplo, essa distorção é terrível, em geral propiciando ofensas aos
direitos fundamentais do réu e às prerrogativas profissionais da defesa.
Promotores só iniciam seu prazo de recurso quando tomam ciência formal das decisões em
seu próprio gabinete. O processo tem de se deslocar até eles, ao contrario dos advogados
que tem o prazo correndo a partir da publicação da decisão.
O MP tem vantagens mais que incisivas nos prazos de fato para recursos, no acesso
cotidiano ao julgador da causa e na própria posição que ocupa fisicamente na Corte na hora
do julgamento. No julgamento do “mensalão” a sociedade pôde observar que o procurador-
geral da República, que era apenas uma parte a ser tratada em igualdade de condições
com os réus e seus advogados, permaneceu sentado ao lado dos ministros, hábito antigo e
nefasto de nossa Jurisdição.
O acesso a informações das investigações torna o membro do MP fonte privilegiada de
notícias para a imprensa, em “on” ou “off”. Surge aí uma relação promíscua a influir
imediatamente no resultado dos processos penais. A mídia hoje é quem condena, mais que
os Juizes.
O único instrumento que sobra ao advogado para se contrapor a este terrível poder do MP-
Estado parte é o do direito de pedir e argumentar livremente e diretamente ao juiz.
Confundir esse direito com corrupção não é minimamente cabível num debate efetivamente
ético.
Juiz que se corrompe não o faz no Fórum de portas abertas, lugares mais discretos e mais
propícios ao crime certamente são os utilizados.
Propor que os advogados só sejam recebidos com a presença da outra parte é submeter o
exercício pleno da defesa ao desejo do Ministério Público que acusa. Só quando o membro
do MP tiver vontade e disponibilidade de agenda o advogado poderá ter contato com o juiz
da causa, enquanto este mesmo membro do MP lancha com este mesmo juiz todo dia.
A amizade pessoal entre juízes e membros do MP e da advocacia não implica
desonestidades. Manter o juiz afastado da vida social fortalece uma das maiores formas de
submissão dos interesses públicos aos privados em nosso país, o corporativismo.
O ministro não agiu com seu costumeiro acerto quando fez essas declarações. A nosso ver
deveria rever seu ponto vista. Suas preocupações são legítimas, mas o remédio proposto
agrava o problema ao invés de solucioná-lo.
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